sexta-feira, abril 29, 2005

As xanatas lembram-me o Verão...

E o pés levam-me, longe ou perto, sem que eu dê por isso... E respiram, leve e puramente através do pano que não existe. Adoro ter os pés descalços, sem no entanto tocar o chão. Não lhe tenho intimidade. Gosto é de ir à praia e sentir a areia a entrar e a sair. Mera lembrança dos meus Verões do passado, já ido.

Fico diferente... quando desnudo os pés. Sinto-me mais eu. Talvez por estar mais descoberto, me sinta mais descoberto, mais limpo de esconderijos e subterfúgios artefactuais, menos outro que não eu. Mesmo o irritante soar do "chap, chap" não me incomoda, a mim, porque é o meu "chap, chap" e forço-o cada vez mais, a ser mais intenso e mais alto na tentativa de me testar no incómodo. Mas, não consigo. Até começo, lentamente, a apreciá-lo.

Talvez, no fundo, nada mais tenha que a sensação de ir até à beira-mar, até a fronteira da sobriedade com o infinito do mar. Talvez tenha apenas o vislumbre da ilusão de que posso seguir em frente e me perder na imensidão daquele azul. Sim, porque as xanatas lembram-me o Verão, o Verão lembra-me o sol, e a praia e o mar... e o mar lembra-me o princípio, lembra-me o princípio...

... e o fim!

quinta-feira, abril 28, 2005

A infinidade de uma alma...

Quantas não foram já as vezes que me perdi no pensamento? Quantas não foram já as vezes que me perguntei coisas às quais jamais saberei responder? Por momentos fico angustiado por não encontrar a solução dos meus próprios enigmas, mas depois obnubilo-me de mim e sigo em frente, esperando esquecer que não soube responder-me...

A pergunta que mais me incomoda e sempre incomodou foi a razão da minha existência... Acho que a todos a questão surge -não sobre a minha, mas sobre a existência de cada um, claro- mas são poucos aqueles a quem ela atormenta ou persegue ou paira constantemente no ar... Eu sou um desses poucos. Obcecado e obsessivo, sem encontrar motivos para cá estar, para destruir tanto do que me rodeia, para criar tão pouco para o meu meio. E, no fundo, no fundo, não sou tão mau quanto me penso.

Talvez há um par de anos não escrevesse estas linhas; talvez daqui a um par de anos elas me pareçam ridículas. Mas agora, que perdi quem não me encontrou, que me perdi quando não me soube encontrar, definitivamente não tenho a solução do meu enigma.

Mas, a cada dia que passa, tento dar-me e tento sentir-me... No entanto, escondi-me tanto e tão longe, que já não consigo vir cá fora e sentir na minha própria pele o calor do que quer que seja... tudo o que sinto, sinto na pele de algo que criei, de um eu que não me pertence enquanto essência mas apenas enquanto conceito... Não sou largamente imaginativo, não é isso... acho que simplesmente tenho recursos... Sou esperto, no que toca a encontrar alternativas a mim... não me repito, na minha psicose, ou na mais profunda neurose que possa disfarçar, sobrevivendo à minha própria crítica, e recrio-me, a cada passo, a cada dia, a cada pessoa. Renasço sempre que encontro um sorriso, uma lágrima, em alguém ou em mim, sempre que sinto uma bofetada ou um abraço ou quando os dou, e então, volto a não ser eu e volto à árdua tarefa de me reconstruir e redefinir. Até que deixo de o fazer. E deixo de saber quem sou...

E a alma perde-se, por não saber a quem pertence. E, como não pertence, não se dá, não é ninguém nem de ninguém. Como posso eu dar aquilo que não é meu? Mas como pode não ser meu se nasceu comigo e eu não morri? Não morri, apenas deixo de existir, aos poucos, a cada eu que renasce e deixa outro para trás... E é então que a lágrima cai, quando não tem que ser um sorriso... quando está só, ela cai. Porque pode cair. Porque não tem que ser aquele sorriso. E é então que mais um deixa de o ser. E eu volto a perder-me e cada vez mais deixo de me ser...

Por isso amo sem que o saibam, sem que percebam que também eu posso sentir esse impetuoso ardor da alma. Só que amo de forma fria e distante... Porque amo num corpo que há muito deixei de reconhecer por o ter dado sem querer a quem nao o quis e não o soube ter... Porque amo sem alma porque não sei onde ela ficou, algures, ou nenhures, no meu longínquo passado.

E só eu sei o que é amar sem ter pilares de existência para o fazer... não obstante, continuo a tentar, sem que compreendam por que amei antes... amei no passado com um alguém diferente. É a mais profunda essência de renascimento, não enquanto conceito artístico mas psicoemocional, de mudança, adaptação, de sobrevivência ao fim que inegavelmente acabaria por chegar num imediato instante. Talvez a minha insanidade daí provenha, ou tudo isto resulte dela, mas o certo é que são indissociáveis: a insanidade e a minha constante renovação desconstrutiva.

Não sou capaz de estagnar, de parar. Parar é morrer. E tantas foram as vezes que desejei parar. Sim, isso também. Ou, por isso também. Mas assim, iria sem a solução do meu enigma. Mas, talvez seja essa mesma:

Por que existes? Porque irás deixar de o fazer.

Percebo que não farei diferença depois de ir porque as pessoas inatamente sobrevivem e irão sobreviver depois de partir, por momentos ou para sempre. Aproveito é para fazer a diferença enquanto as pessoas me reconhecem, e me sorriem e abraçam, ou mesmo quando gritam comigo porque, afinal, isso revela que afecto de algum modo, que lhes sou importante. E muitos são os dias que o sinto, que sou importante para alguém, em pequenas coisas, em pequenas frases, em olhares e sorrisos. E então, não quero parar, quero continuar para poder sobreviver a mim e continuar a fazer a diferença, hoje, amanhã, depois e depois e depois e sempre, até que tu me encontres e sejas a minha razão de parar e, desta vez, de viver.

Amo-te... vida!