terça-feira, junho 14, 2005

Eugénio...

Adeus, velho e nobre poeta. Tu, que desapareceste tão pouco após minha querida Sophia. Perdi-os aos dois, que escreviam como se minha alma por vezes possuíssem... Tu, que de penadas leves procuravas a palavra certa para o sentimento que percorre o corpo... Deixas saudade, dos momentos em que te via, a escrever, absorto deste mundo, escondido no teu, entre uma imensa nuvem de fumo branco que tentava imitar, esperando eu produzir palavras como as tuas...

Adeus, que tua alma descanse em paz...

O Lugar da Casa

Uma casa que nem fosse um areal
deserto; que nem casa fosse;
só um lugar
onde o lume foi acesso, e à sua roda
se sentou a alegria; e aqueceu
as mãos; e partiu porque tinha
um destino; coisa simples
e pouca, mas destino:
crescer como árvore, resistir
ao vento, ao rigor da invernia,
e certa manhã sentir os passos
de abril
ou, quem sabe?, a floração
dos ramos, que pareciam
secos, e de novo estremecem
com o repentino canto da cotovia.

(em "O Sal da Língua", de Eugénio de Andrade)